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Cultivares de soja com perfil de ácidos graxos diferenciado visando melhor qualidade

Marcelo Alvares de Oliveira, pesquisador da Embrapa Soja

O óleo de soja é amplamente utilizado na alimentação humana no Brasil e no mundo, principalmente nas indústria de alimentos, onde grande parte desse óleo é utilizado na fabricação de gordura hidrogenada. A gordura hidrogenada por sua vez é constituinte indispensável na fabricação de biscoitos, bolachas, salgadinhos e afins, pois confere uma textura mais macia e leve a determinadas receitas e também aumenta o prazo de validade. A gordura hidrogenada é elaborada a partir de um processo industrial denominado hidrogenação, por meio da adição de gás hidrogênio aos pontos de insaturação dos ácidos graxos, em condições de pressão e temperatura elevadas e presença de catalisador metálico.

Entretanto, essa hidrogenação é feita de forma parcial, mantendo um determinado grau de insaturação no produto final, de forma a que sua fluidez não seja comprometida e ela continue líquida a temperatura ambiente. Como esta hidrogenação é parcial, pode ocorrer à reação paralela de isomerização das cadeias insaturadas, levando a formação da famosas gordura “TRANS”, as quais comprovadamente são prejudiciais à saúde humana.

O consumo de gorduras “TRANS” promove o aumento do colesterol LDL, que é considerado o colesterol ruim, e reduz o HDL, que é o bom. Assim sendo, reduzir ou evitar a ingestão dessa gordura é um excelente caminho para uma alimentação saudável. Nos EUA as gorduras “TRANS” foram banidas em 2015 com a proibição do processo de hidrogenação parcial. Já no Brasil a Anvisa decidiu banir essa gordura dos alimentos industrializados somente a partir de janeiro de 2023.

Em 2018 o órgão americano Food and Drug Administration (FDA) autorizou a alegação “bom para o coração” para todos óleos com mais de 70% de ácido oleico na composição.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, atualmente existem 56 países que possuem estratégias ou planos de ação para reduzir as gorduras “TRANS” produzidas industrialmente na cadeia de alimentos, sendo que a Dinamarca foi a precursora. Assim sendo, é muito interessante uma mudança no perfil dos ácidos graxos da soja, aumentando a porcentagem do ácido oleico e diminuindo a porcentagem dos demais ácidos graxos, principalmente o linoleico e linolênico. Atualmente, a composição do óleo de soja comercializado no Brasil tem aproximadamente 22% de ácido oleico. Os EUA, antevendo as mudanças de cenários na opinião pública e do mercado, saíram na frente e já tem cultivares comerciais com mais de 70% de ácido oleico e reduzido teores de linoleico e linolênico. A ocupação de área dessas cultivares de soja aumentou de 50 mil hectares na safra 2012/2013 para 170 mil hectares na safra 2020/2021 e tem uma projeção para mais de 570 mil hectares na safra 2023/2024, ou seja um aumento muito significativo nos próximos anos.

A Embrapa Soja firmou uma parceria do programa de Melhoramento com o USDA (United States Department of Agriculture), com a finalidade de desenvolver cultivares adaptadas às condições de Brasil, com alto teores de ácido oleico. Iniciou-se a seleção no BAG (banco com milhares de cultivares) e de cruzamentos que foram ao campo em 2016 para quantificação em CG (Cromatógrafo Gasoso) e calibragem do equipamento NIR (Espectroscopia de Infravermelho Próximo), para poder avaliar esses materiais. Além deste trabalho de melhoramento genético, atualmente a Embrapa Soja já possui alguns marcadores moleculares para alto oleico e está trabalhando para desenvolver marcadores para baixo linolênico que irão agilizar a seleção dos melhores materiais.
Esse novo perfil de ácido graxo na soja é muito promissor tanto para a alimentação como para a industrialização. Um óleo de soja com o perfil semelhante ao de oliva, mas um teor menor de ácidos graxos insaturados é o que a indústria alimentícia preconiza como um óleo com características alimentícias superior.

Ao mesmo tempo, vários pesquisadores afirmam que “o que é bom para alimentação humana é bom para o motor”! Ou seja, um óleo com essas características, é matéria-prima de superior qualidade para fabricação de lubrificantes, fluidos e biocombustíveis. Atualmente, aproximadamente 80% do biodiesel do Brasil é proveniente do óleo de soja. Contudo, espera-se que este novo produto, produzido com óleo de soja alto oleico, terá maior fluidez em baixa temperatura, devido a menor quantidade de ácidos graxos saturados, e mais estável, devido a menor quantidade de ácidos graxos poli-insaturados presentes.

Como exemplo da dinâmica do mercado de óleos e expansão dos biocombustíveis, a Airbus realizou um teste histórico em 2022 nos EUA, com o A380, maior avião comercial do mundo.  A aeronave decolou do Aeroporto de Blagnac, em Toulouse, na França, e voou durante três horas para aferir o comportamento dos motores com combustível sustentável de aviação, o SAF, feito com base em ésteres hidroprocessados e ácidos graxos, cuja matéria-prima típica é o óleo de cozinha.

Várias vantagens são relatadas nessa mudança de perfil de ácidos graxos no óleo de soja, que a princípio deve entrar no nicho de alimentação humana, e assim que conseguir maior escala, alcançar todos os demais mercados, como biocombustíveis, lubrificantes, indústria farmacêutica e ou outros processos onde os óleos tenham participação.
Assim, é uma realidade que a mudança de perfil dos ácidos graxos do óleo da soja, pode num futuro próximo vir a fazer parte de toda plataforma soja, fazendo com que aumente o valor agregado desse grão, que já é tão valorizado. Entretanto esforços no melhoramento genético e também a utilização de diversas ferramentas de biotecnologia, são cruciais para que isso ocorra com maior rapidez no Brasil, pois essa mudança pode tornar o país um novo “player” no mercado de óleos especiais.

 

Fonte: https://blogs.canalrural.com.br/embrapasoja

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