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Resistência de Pragas: Um antigo problema da atualidade

Adeney de Freitas Bueno, Daniel R. Sosa-Gómez e Rogério de Sá Borges (Embrapa Soja); Leonardo Miraldo (Bayer Crop Science) e Yelitza Coromoto Colmenarez (CABI)*

A seleção de pragas resistentes às diferentes estratégias de manejo utilizadas pelo homem é um problema antigo que ainda continua presente na agricultura atual, causando prejuízos econômicos e ambientais significativos. O naturalista Charles Darwin já nos chamava a atenção para isso na natureza, decorrente de um processo natural de seleção, em suas observações de que “Não é o ser vivo mais forte que sobrevive, mas o melhor adaptado ao ambiente”. Isso também ocorre na agricultura porque resistência é uma característica genética naturalmente encontrada em populações de insetos, que permite a alguns indivíduos com esta condição tolerar doses (de inseticidas ou de toxinas presentes em plantas Bts) que seriam letais para a maior parte da população. Inicialmente, esses indivíduos resistentes ocorrem normalmente em baixa frequência. Entretanto, o uso de quaisquer táticas de manejo de pragas, sejam elas inseticidas ou plantas geneticamente modificadas, sem uma estratégia apropriada de manejo de resistência, pode levar à seleção e a rápida multiplicação de indivíduos resistentes e, consequentemente, à perda das tecnologias de manejo empregadas.

A pesquisa vem trabalhando para desenvolver as melhores ferramentas de manejo de pragas. Entretanto, aparentemente o inimigo está sempre um passo à frente. Isso ocorre principalmente devido ao uso abusivo de uma única ou poucas ferramentas de manejo, o que tem favorecido a seleção de indivíduos resistentes. Entendendo o processo de seleção de insetos resistentes e como é possível manejá-lo podemos ter soluções mais duradouras no controle de pragas e, assim, reduzir seus prejuízos. Na prática, o uso de inseticidas ou de plantas geneticamente modificadas sem uma estratégia de manejo de resistência acaba favorecendo a sobrevivência e multiplicação dos insetos resistentes. Isso ocorre porque quando essa determinada tática de controle é adotada, ela inicialmente mata a maioria dos insetos existentes. Apenas alguns poucos insetos com genes que conferem resistência àquela tática e/ou produto acabam sobrevivendo. Neste momento inicial, os sobreviventes podem passar despercebidos ao agricultor, sem impactar a produção. Ao longo das safras, com o uso repetido da mesma tática de controle, os insetos que eram minoria se multiplicam, se tornando a maioria da população, quando então o agricultor percebe a redução ou perda da eficácia da tática de controle.

Essa sequência de acontecimentos dentro do processo evolutivo é conhecida como “seleção de insetos resistentes”. Por isso é crucial adotar estratégias de manejo da resistência de insetos às táticas de controle, que tem por objetivo retardar este processo de aumento da frequência relativa de alelos de resistência e, por consequência de indivíduos resistentes nas populações de pragas agrícolas. Na prática, esse conjunto de estratégias de manejo da resistência de insetos às táticas de controle tem o papel de preservar as ferramentas de controle de pragas existentes.
Para evitar ou retardar a resistência é importante aplicar inseticidas apenas quando necessário, adotando os níveis de ação e sempre rotacionar os inseticidas com diferentes modos de ação entre as aplicações. Essa recomendação, popularmente conhecida como rotação de produtos (o que na verdade deveria ser chamada de rotação de modos de ação, pois não basta rotacionar produtos se os modos de ação forem iguais), evita ou retarda a seleção de populações de insetos resistentes, preservando a eficácia dos produtos ao longo das safras e anos.


Ilustração da rotação de inseticidas com diferentes modos de ação e sua função na preservação da eficácia dos ingredientes ativos.

Com relação ao cultivo da soja Bt, a principal estratégia a ser adotada pelo produtor para evitar ou retardar a seleção de populações de pragas resistentes é a adoção do “refúgio estruturado”. Entende-se por refúgio estruturado o cultivo com plantas não resistentes a insetos (plantas não-Bt) em 20% da área de soja, em localização adjacente ao de cultivo com plantas Bt, que expressam a característica de resistência a insetos com ciclo compatíveis, cujo propósito é retardar o processo de evolução da resistência nas populações do(s) inseto(s)-alvo.
O principal objetivo do cultivo da área de refúgio é a redução da pressão de seleção em favor dos insetos resistentes. O refúgio baseia-se no fato de que a resistência a plantas Bt é recessiva. Portanto, insetos de genótipo heterozigoto (os descendentes do cruzamento resistente × suscetível) são controlados pela planta Bt. Assim, é importante estar claro que, na área de refúgio, precisamos da presença de insetos que serão suscetíveis à toxina Bt, cujos adultos (mariposas) possam cruzar com possíveis resistentes provenientes da área de cultivo Bt e, assim, originar insetos heterozigotos, que são controlados pela planta Bt, quando desta se alimentarem. Portanto, não pode haver uso abusivo de inseticidas na área de refúgio, pois isso pode eliminar a maioria dos insetos suscetíveis e comprometer a finalidade dessa estratégia em evitar ou retardar a resistência. A área de refúgio precisa produzir economicamente, mas de forma sustentável, garantindo também a “produção” de insetos suscetíveis à tecnologia Bt.

Existem atualmente no mercado muitas opções de cultivares não Bt de ciclos variados e principalmente com elevado potencial produtivo. Quando cultivares Bts e não-Bts são colocadas lado a lado, essas se equiparam em produtividade, sendo a resistência às lagartas a única diferença observada. Tais esclarecimentos se fazem necessários para que os produtores não tenham nenhum tipo de preconceito e percebam que a adoção do refúgio não significa perda de rendimento.

Ilustração da área de refúgio manejada com adoção de MIP na preservação da eficiência da tecnologia Bt.

Apesar da adoção da soja Bt ser muito prática e eficiente no manejo das pragas-alvos, é melhor se beneficiar das facilidades do manejo de insetos com plantas Bt em apenas 80% da área por um longo período, do que ter essa comodidade por um curto espaço de tempo e ter que voltar a aplicar inseticidas em 100% da área de cultivo, devido a perda de tecnologias com resistência ao ataque de insetos. Por isso, é fundamental que o manejo das áreas de refúgio seja realizado de acordo com os níveis de ação preconizados pelo Manejo Integrado de Pragas (MIP). Plantas Bt vieram para somar ao MIP e não para substituí-lo!

É importante relembrar que é essencial a adoção do refúgio estruturado, rotação de inseticidas com modo de ação distintos e demais recomendações do MIP para a sustentabilidade das tecnologias Bt e inseticidas no manejo de pragas na agricultura ao longo dos anos. A produção sustentável de soja propiciada pela adoção do MIP traz benefícios ambientais significativos como a redução do CO2 equivalente, emitido pela atividade agrícola no meio ambiente. Esses benefícios propiciam aos produtos produzidos serem mais bem aceitos pelo mercado consumidor, além de poderem contribuir em certificações como Soja Baixo Carbono, que poderão trazer melhores retornos econômicos em futuro próximo. Sustentabilidade, descarbonização da agricultura, menor uso de inseticidas químicos e maior adoção de bioinsumos são tendências agrícolas atuais e um caminho sem volta para a agricultura mundial.

Fonte: https://blogs.canalrural.com.br/embrapasoja

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