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Brasil, a caminho da autossuficiência na produção de trigo

Amélio Dall’Agnol, pesquisador da Embrapa Soja

Poderia parecer estranho para quem não conhece a realidade do Brasil, que um país predominantemente de clima tropical tenha se convertido em líder global na produção e nas exportações de soja, uma cultura que até a década de 1940 só era cultivada em regiões frias e com latitudes elevadas da China e dos Estados Unidos. Não se produzia soja em larga escala no Brasil. Em 1960, a produção brasileira de soja não passava de 200 mil toneladas; em 1970 já cultivava 1,3 milhões de hectares (Mha) e produzia 1,5 milhões de toneladas (Mt), em contraste com a área atual de 38,9 Mha (2020/21) e produção de 137,3 Mt (Conab 2021), a maior parte produzida em regiões tropicais do Centro oeste, Norte e Nordeste do País.

Mas o que aconteceu com a soja no Brasil, uma cultura predominantemente de clima temperado e subtropical, para, em poucas décadas, converter-se numa lavoura onde a maior parte da produção ocorre em áreas tropicais com baixas latitudes e com produtividades superiores às de regiões tradicionais de cultivo da Região Sul (RS, SC e PR), onde prevalece o clima subtropical?
Aconteceu o “milagre” da tropicalização da cultura, realizada por cientistas brasileiros por meio de alterações na genética da planta, o que permitiu seu desenvolvimento em regiões com baixas latitudes e, também, possibilitou antecipar a semeadura nas regiões tradicionais de cultivo (subtropicais e temperadas) em períodos de dias mais curtos, a exemplo do que ocorre hoje na Região Sul do Brasil.

Mas porque estamos comentando essa aventura com a cultura da soja, se nosso objetivo é falar de trigo? Porque os cientistas brasileiros estão buscando fazer o mesmo com a cultura do trigo; tropicalizá-lo. Já ficou comprovado através de pesquisas da Embrapa, que o trigo, nas regiões de baixas latitudes e altitudes superiores e 600 metros do Cerrado brasileiro, é viável, desde que se lhe forneça a umidade que falta nessa região tropical durante o período mais adequado para o seu desenvolvimento; abril a junho. Contudo, para que haja viabilidade econômica, é imprescindível respeitar o zoneamento de risco climático, as regiões de adaptação edafoclimática para indicação de cultivares (aptidão ecofisiológica) e o zoneamento de risco fitossanitário para a doença brusone. Alerta, também, quanto ao uso da água que é limitada e necessita de autorização oficial.

O Brasil produz apenas 7,9 Mt do total necessário para suprir suas necessidades de 12,7 Mt. Faltam 6,5 Mt para seu auto abastecimento e a região do Cerrado tem amplas possibilidades para suprir essa deficiência, embora áreas ociosas no inverno da região subtropical, também estão disponíveis para produção de mais trigo. A pesquisa do RS e SC já está explorando essa possibilidade.
O trigo é o principal alimento da maioria dos povos do planeta, não apenas para produzir o pão de todos os dias, mas, também, para suprir outras necessidades, como cultivo alternativo ao milho na alimentação de animais domésticos, assim como, também, pode constituir-se em importante matéria prima para a produção de etanol combustível e ração animal.
Considerando a real possibilidade de tropicalização da cultura do trigo, o Brasil tem enorme potencial de produção, não apenas para autoabastecer-se de pão e massas, como, também, para ser um grande exportador.

O Brasil sempre desejou ser autossuficiente na produção de trigo, mas o clima e as doenças o tem mantido distante da conquista de tal objetivo. A produção brasileira do cereal ainda se concentra na Região Sul (90% da área cultivada), mas o Bioma Cerrado sinaliza com potencial para assumir maior protagonismo no fornecimento do grão para o País. Em estudos conduzidos pela Embrapa nessa região, produtividades de 3.000 a 5.000 kg/ha têm sido recorrentes, desde que não lhe falte água e nem fertilizantes. Em Cristalina, GO, o produtor Bonatto alcançou a maior produtividade média mundial, com mais de 9.000 kg/ha em área irrigada, em 2021. Mas, atenção, porque o uso de água não é ilimitado e a disponibilidade de água pode ser um gargalo.

Além da água, os solos inférteis e ácidos do Cerrado brasileiro necessitam de muito fertilizante para desenvolver-se e produzir, o que poderá ser mais uma limitação se o conflito bélico entre Rússia e Ucrânia, importantes fornecedores dos fertilizantes utilizados na sua produção, persistir por muito tempo, restringindo a logística para o seu transporte impostas pela guerra.
Ao se concretizar a produção de trigo em larga escala no Cerrado brasileiro, igual aconteceu com a soja, o pão e o macarrão que os brasileiros comerão no futuro será muito mais brasileiro do que argentino, americano ou canadense. O que aconteceu com a cultura da soja, também poderá acontecer com a do trigo. Vamos torcer para que a ambição dos cientistas brasileiros de tropicalizá-lo, igual fizeram com a oleaginosa, se concretize e o Brasil não mais precise importar o cereal. Boa sorte para todos os brasileiros.

 

Fonte: https://blogs.canalrural.com.br/embrapasoja

 
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