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Sete anos de Helicoverva armigera no Brasil: será que aprendemos a lição?

Amélio Dall’Agnol e Adeney de Freitas Bueno, pesquisadores da Embrapa Soja

As lagartas são pragas de grande importância econômica na cultura da soja, devido, principalmente, à redução da área foliar e danos causados às estruturas reprodutivas da planta. As principais espécies de lagartas que ocorrem na sojicultora brasileira são a lagarta da soja, Anticarsia gemmatalis, e a lagarta falsa-medideira, Chrysodeixis includens.

Entretanto, em 2013, a “pop star” que ocupou as principais manchetes do agro no Brasil, classificada como principal vilã da soja e maior inimiga da agricultura nacional foi a lagarta Helicoverpa armigera. Sua ocorrência foi relatada pela primeira vez no continente americano (mais especificamente no Brasil) apenas em fevereiro de 2013. Na época, a identificação da praga foi realizada quase que simultaneamente e de forma independente por taxonomistas da Embrapa e da Universidade de Brasília, com base na morfologia da genitália masculina e confirmada por sequenciamento genético. Nesse período, fontes relatavam que os danos mundiais relacionados a essa espécie eram superiores a US$ 2 bilhões anuais, excluindo os custos socioeconômicos e ambientais associados ao seu controle na Ásia, Europa, África e Austrália. Apenas no Brasil, os relatórios de danos já alcançavam aproximadamente US$ 0,8 bilhão na primeira safra (2012/2013) de sua ocorrência.

Apesar desses números alarmantes divulgados nas principais manchetes em 2013, confirmou-se que a ocorrência da praga no país era, na verdade, anterior ao período de sua primeira detecção oficial. Esse atraso na detecção da praga deve-se muito à dificuldade de se distinguir essa espécie, por não especialistas, de outras espécies relacionadas da mesma subfamília Heliothinae (que inclui a lagarta da espiga, Helicoverpa zea, ou mesmo, a lagarta da maçã do algodoeiro, Chloridea virescens, por exemplo) com base apenas em características morfológicas. Mas então, o que ocorreu em 2013 que levou aos surtos da praga relatados em várias regiões do país, principalmente na Bahia e outras áreas de Cerrado do país?

Para responder a esta pergunta é importante considerar que a lagarta H. armigera é uma praga polífaga, que ataca mais de 60 espécies de plantas, incluindo culturas de grande importância econômica como o milho, o algodão e a soja, além do trigo, arroz, feijão, sorgo, girassol, frutíferas e hortaliças. A praga apresenta grande potencial biótico, sendo que cada fêmea pode colocar até 3.000 ovos. Ela está presente nos diferentes continentes, destacando-se a Ásia, particularmente China e Índia, onde seu controle responde pelo consumo de aproximadamente 50% dos agrotóxicos utilizados nas lavouras de algodão e milho. No Brasil, entretanto, sua presença passou despercebida, provavelmente confundida com H. zea ou C. virescens até que, em 2013, favorecida por clima quente e seco, e escassez de inimigos naturais, devida a um agroecossistema desequilibrado, a população da praga finalmente “estourou”, com surtos populacionais que não foram bem controlados, nem pelos melhores inseticidas disponíveis na época. Um sistema agrícola onde ocorre, na maioria das vezes, um uso errado e abusivo de inseticidas não seletivos aos principais inimigos naturais, desfavorece a preservação desses organismos benéficos, levando a um desequilíbrio biológico que favorece o crescimento populacional das pragas, ao invés de reduzi-las.

Diante desse cenário, uma grande força tarefa foi então criada pelo Ministério da Agricultura (MAPA) sob liderança da Embrapa. Pesquisadores desta instituição viajaram todo o Brasil, visitando as principais regiões produtoras do país, em um projeto conhecido como “Caravana Embrapa”. Os pesquisadores ministraram inúmeros treinamentos sobre o reconhecimento e identificação da praga e a importância da adoção do Manejo Integrado de Pragas (MIP). Inseticidas em doses eficientes foram devidamente registrados no país em caráter de urgência e disponibilizados aos agricultores para a defesa de suas lavouras. Sendo assim, apesar dos prejuízos causados por esta praga, a ocorrência de H. armigera no Brasil pode ser considerado um grande marco divisor de águas para agricultura nacional.

O país, após essa “dura lição”, vem recuperando, em alguma medida, o interesse pelo MIP e por uma agricultura mais sustentável e ambientalmente amigável. Assim, a partir principalmente de 2013, houve grande uso de insumos biológicos. Trichogramma pretiosum foi devidamente registrado como o primeiro macrobiológico para uso na soja para controle de alguns lepidópteros. Desde então, o mercado de produtos biológicos vem crescendo no país ano a ano, seguindo uma tendência mundial. O agricultor e técnicos brasileiros aprenderam a duras penas que o uso exclusivo de inseticidas, aplicados de forma inapropriada, não é uma solução duradoura para a produção de alimentos. Apenas com uma agricultura mais sustentável, baseada nos preceitos de MIP, com uso conjunto de diferentes ferramentas de controle de pragas, incluindo o controle biológico, é possível produzir alimentos de forma ambientalmente sustentável.

Atualmente, 7 anos após esse grande surto da lagarta Helicoverpa no país, será que ainda lembramos das lições aprendidas ou viveremos em ciclos, cometendo repetitivamente os erros do passado? É verdade que a utilização da soja Bt (soja OGM que expressa Cry 1Ac que é capaz de matar as principais espécies de lagartas) nos trouxe uma grande comodidade no manejo de lagartas. Ela se apresenta como uma ferramenta de manejo de H. armigera, mas no campo a natureza está sempre nos pregando algumas peças. Apesar da toxina Cry 1AC, contida na soja Bt ter controle sobre a H. armigera, ela não controla H. zea. No campo, ambas espécies se confundem e pior, podem se cruzar e produzir descendentes férteis, com suscetibilidade intermediária à tecnologia. Esse fato ilustra como é importante manter vivas as lembranças do ocorrido em 2013. É crucial entendermos de uma vez por todas que apenas os benefícios proporcionados pela adoção conjunta de diferentes tecnologias de manejo, dentro dos preceitos de MIP, irá proporcionar uma solução duradoura e sustentável para o manejo de pragas na agricultura brasileira.

Caso insistamos em usar uma única ferramenta de manejo ou controle de praga, não importando o quanto eficiente ela seja de início, se não adotada dentro dos preceitos de MIP, em conjunto com outras estratégias, ela sempre será derrotada pela praga. Assim sendo, certamente haverá surtos prejudiciais à produtividade da lavoura, sejam eles de Helicoverpa, mosca-branca, gafanhotos ou qualquer que seja a praga ou doença catastrófica da vez.

 

Fonte: https://blogs.canalrural.com.br/embrapasoja

 
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