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‘Brasil não deve precificar soja com base no que o USDA diz

Para analista, a entidade norte-americana favorece os Estados Unidos, inflando números de estoques globais. Logística e custo de produção também foram debatidos no 2º Fórum Soja Brasil da temporada

Daniel Popov, de São Paulo
É comum que relatórios internacionais, como os divulgados pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), apresentem números bem diferentes das estimativas oficiais liberadas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Para o analista de mercado Liones Severo, da SIM Consult, essa prática tem uma única explicação: “favorecer os Estados Unidos frente aos principais concorrentes”, disse ele durante sua palestra no 2º Fórum Soja Brasil desta temporada, realizado em Esteio (RS).

Para justificar sua afirmação, Severo mostrou alguns comparativos simples com dados de exportação, estoques e produção, e em todos os casos os números de Brasil, Argentina e China apresentavam certas distorções frente às divulgações oficiais realizadas pelos governos dos três países.

“A produção mundial de soja e o consumo do produto têm tido uma forte competição, ou seja, praticamente tudo que se produz é consumido. De 2011/2012 até 2017/2018, a produção cresceu 117 milhões de toneladas, e a China, maior consumidora, aumentou as importações em apenas 39 milhões. Isso mostra que há uma fuga estatística, pois há mais consumo do que o USDA vem afirmando”, afirma o analista da SIM Consult.

Segundo o especialista, enquanto o USDA prevê que os estoques totais de soja no mundo na safra 2017/2018 serão de 95 milhões de toneladas, o levantamento realizado por ele indica que as reservas devem ser de apenas 25 milhões.

“O USDA disse que a Argentina acabará o ano com 30,8 milhões de toneladas e o Ministério de Agricultura do país diz que será de apenas 500 mil toneladas. Para o Brasil, a previsão da entidade é terminar o ano com 24 milhões de toneladas, mas a Conab diz que será de apenas 1,6 milhão. Já para a China, o USDA diz que terminará o ano com 23,4 milhões de toneladas, e segundo o Centro de Informações e Estatísticas da China terminará com 6 milhões. Só por aí dá pra entender essas distorções”, conta Severo.

USDA favorece mercado americano

Para o analista, o Brasil precisa acordar e ter uma atitude condizente com sua posição: a de maior exportador da oleaginosa do mundo. “Não podemos seguir números que não são verdadeiros, isso depõe contra nossos preços. O USDA defende os interesses dos Estados Unidos, que é o país deles, favorecendo-o frente aos principais concorrentes”, garante. “Eles não querem perder o domínio do preço, por isso estão sonegando parte do consumo e colocando como estoques em países concorrentes.”

Severo sugere que, para começar essa mudança de postura, o primeiro passo é processar os números gerados aqui e com base neles precificar a soja. “Por que todos os analistas seguem o que o USDA diz? Os analistas brasileiros são repetidores, porque analisam apenas textos e números, muitos nunca frequentaram o mercado de consumo”, diz. “Os números da Conab são muito mais corretos e assertivos que os do USDA. Já estive lá na entidade americana trabalhando, além de ter atuado por dez anos no mercado chinês. O USDA é o único que fala de outros países e por isso dominam. Aliado a isso tem esse monte de repetidores, que ajudam a dar força para o que dizem.”

Brasil define seus preços

Liones Severo defende que a soja não depende do mercado de derivativos para sobreviver, já que é o produto que paga toda a conta, desde a produção, logística até o consumidor. “Se você é o vendedor do produto, é você que deve definir o preço, e o Brasil tem vantagem nisso, porque o mundo precisa da soja. O país pode derrubar o preço em Chicago se quiser”, afirma.

Para ele, o produtor precisa ter a consciência que não pode mais vender uma safra inteira em dois meses, como vinha fazendo, pois a colheita é de uma vez, mas o consumo é parcimonioso e parcelado.

“Neste ano, por exemplo, os produtores queriam aproveitar a oportunidade de preço e venderam tudo. As indústrias não precisavam de tanto, mas já se abasteceram para mais tarde. Se essa oferta fosse dosada – e entenda, há muito terrorismo nisso –, todo mundo manda vender logo, o produtor poderia conseguir valores até mais elevados. Mas do jeito que está, é o mercado quem comemora, pois tudo que se vende fisicamente é multiplicado por 20 vezes nos derivativos”, garante.

Incerteza para os produtores

Enquanto o embate entre China e Estados Unidos e as eleições no Brasil não obtêm uma definição, o vice-presidente da Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Elmar Konrad, alerta para a necessidade de o produtor ficar atento à comercialização e aos custos de produção, já que o futuro é incerto.

“Vivemos um período de incertezas e os produtores devem ficar atentos às suas planilhas, pois não sabemos que preço a soja terá no próximo ano. O custo já sabemos que está bem mais elevado, por conta do câmbio. Quem teve pré-custeio, em março, conseguiu uma margem melhor do que os que tiveram acesso a crédito agora, chegando a pagar até 40% mais nos fertilizantes”, diz.

Para o executivo, não adianta o sojicultor achar que irá acertar tudo. Ele deve ponderar, fazer pré-fixações com correlação de custos, porque mais à frente não dará para saber qual será o cenário. “Alguns economistas dizem que o câmbio pode ultrapassar a barreira dos R$ 5, dependendo de como a política se modificar”, afirma Konrad. “Sem falar no impacto da guerra entre China e Estados Unidos, que é uma incógnita.”

Por fim ele ressalta ainda a questão dos fretes e como esta “bagunça conceitual” atrapalha os planos de um setor que já é tão imprevisível. “Se a coisa ficar assim, teremos problemas logísticos em breve devido à nova tabela do frete. Vivemos uma bagunça produtiva, pois cada um vive a sua realidade. Temos dois tipos de produtores hoje: o que vende quando quer e compra quando precisa – e este está bem – e aquele que vende por precisar do dinheiro e compra na obrigação de ter que produzir ª esse fica sem margem”, afirma o representante da Farsul.

Logística também preocupa o setor produtivo

O presidente da Aprosoja Brasil, Bartolomeu Braz, destacou durante o Fórum Soja Brasil que a nova tabela de fretes não só eleva os custos para o setor produtivo, como já gera impactos ao consumidor, e isso pode mudar drasticamente a situação de quem vive no campo.

“Isso tem sido uma de nossas prioridades. O consumidor também está sentindo o impacto disso, pagando mais caro pelo leite, pelo feijão e o óleo. Mas no campo o valor recebido pelo produtor é até menor. Quem ganha com isso, então? O mercado precisa ser dinâmico e aberto. Porque, se o setor se organizar e comprar caminhões, até os transportadores terão problemas com essa intervenção”, diz o executivo.

Braz também salienta a necessidade de o Brasil aumentar as opções de transportes, com ferrovias e hidrovias. “Um exemplo é a ferrovia Norte-Sul, que está pronta há bastante tempo, mas ninguém consegue usar. A cabotagem também é um gargalo. Todos falam que existe, mas vai procurar uma opção para entregar com barcos… Não existe”, afirma ele.

Cabotagem não é estimulada no Brasil

Outro palestrante do 2º Fórum Soja Brasil, Luiz Antônio Fayet, consultor de logística da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), ressaltou os esforços em tentar viabilizar a cabotagem no Brasil, comentando as dificuldades enfrentadas pelos interessados em investir nisso.

“A logística por navegação no Brasil , apesar de todo o litoral e quantidade de rios, é o maior gargalo do país. Isso porque as leis de 50 anos atrás que regem esse meio impedem que novos investidores entrem no setor”, diz.

Segundo ele, hoje a cabotagem tem um custo de 7 a 10 vezes mais alto do que a praticada em outros países, além da grande insegurança jurídica que acompanha o sistema. “Em 2013, fiz um estudo para levar milho de Paranaguá (PR) a Recife (PE), mas o custo foi tão alto que dava para levar a mesma carga até Xangai, na China, com o mesmo valor”, afirma Fayet. “Do jeito que está, não adianta abrir licitação, porque ninguém vai aparecer.”

 

Fonte: http://www.projetosojabrasil.com.br/brasil-nao-deve-precificar-soja-com-base-no-que-o-usda-diz/

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